A Cena drag em Teresina-PI:
Vivência e Sobrevivência
Entre brilhos e desafios saiba mais sobre o vibrante universo drag na capital piauiense.
Por: Luany Sousa e Rodrigo Hipólito
Em uma quarta-feira, 15 de novembro, em um bar da zona norte de Teresina, por volta de 01:30 da madrugada, uma performance fez com que todos presentes no local gritassem, vibrassem e ligassem a câmera de seus celulares para registrarem o momento, que até 8 anos atrás não era tão visto na capital do Piauí. No espaço conhecido como Lights Music Bar, brilhava no palco Naomi Mcqueen, uma Drag teresinense recém-nascida que já começa a ocupar espaços e fazer parte da cena em Teresina. Naomi não é a única e nem a última drag na cidade; a cena vem crescendo dia após dia, revelando um novo cenário para a realização dessa arte que antes se mantinha em pé aos “trancos e barrancos”.
Trecho da performance de Naomi Mcqueen na Lights
Nasce as Drags Piauienses
Na década de 1990, um grupo de jovens rapazes, decorrentes da dança e do teatro, criou o grupo de performers "Cia de Homens", buscando expressar sua arte inspirada nas divas pops da época. Eles não sabiam, mas estavam começando a abrir portas para o movimento drag em Teresina. Na Cia, estava Fernando Freitas, considerado precursor do movimento no Piauí, com sua personagem "Samantha Menina", a primeira drag teresinense responsável por inspirar o nascimento de novas drags, criar e consolidar o movimento na capital.
Foto: Google/Fernando Freitas
O primeiro espaço que abraçou esse tipo de manifestação foi o bar Elis Regina, que hoje não existe mais, localizado na Rua David Caldas. No centro da cidade, era lá que a "Cia de Homens" se apresentava e começava a estabelecer essa arte.
A partir disso, outras drags foram nascendo, inclusive Naomi Mcqueen, que é personagem de Bruno Matarazzo, Consultor de vendas, Drag e Dj. "Eu comecei a me montar há mais ou menos 5 anos. Sempre admirei a arte drag; no entanto, a criação da Naomi vem do incentivo dos meus amigos", revela.
Foto: Instagram @4evernaomi
Para muitos, a definição do ser drag não é tão clara e, muitas vezes, é até confundida com identidade de gênero, quando, na verdade, é um personagem criado por alguém.
Bruno em processo de montação para torna-se Naomi Mcqueen
“É um sujeito que parte do princípio da busca por um corpo feminino repaginado, construído pelo exagero das formas de ser, como andar, falar, enfim, de se expressar", define o artista plástico e mestre em antropologia pela UFPI, Avelar Amorim, que desenvolveu uma pesquisa sobre as experiências de drag queens em Teresina, PI. Durante a pesquisa, ele mergulha no universo drag, entendendo a manifestação desde seu período de iniciação.
Foto: Avelar Amorim
Troian em seu instagram
"Logo no começo, elas se montavam escondido de suas famílias, amigos, da rua que moravam, pegavam um transporte para se montar e só depois ir para o centro da cidade, fazer suas apresentações ou apenas estarem montadas se divertindo", conta Avelar Amorim.
A CENA DRAG
Foto: Instagram/@inspiritualtroian
No início das primeiras aparições de drags em Teresina, a cidade não contava com infraestrutura para recebê-las. Havia poucos espaços para as apresentações ou um lugar onde elas pudessem se sentir em casa. Por causa disso, o surgimento de novas drags era mais difícil de acontecer, e muitas delas que existiam acabavam morrendo.”A falta de espaços fez com que, antigamente, a cena não fosse tão forte. Por mais que a gente quisesse ter um local, passamos um tempo sem espaço para ocupar”, conta Troian, outra Drag Teresinense que hoje vive 100% de sua arte.
“Conheço algumas drags, e a ideia que trocávamos era que não íamos nos montar porque não tínhamos para onde ir. Isso é meio lógico. Se não há espaço para ocupar, não há motivo para se montar”, finaliza.
Troian se montando
Vídeo Troian no palco da Lights
Essa realidade começou a mudar a partir de 2015, com um renascimento da cena na Capital, que passou a contar com competições que ajudaram na expressão da arte e no surgimento de novas drags. “Percebi uma descentralização dos espaços de entretenimento LGBT, já que, além dos estabelecimentos existentes no centro da cidade, outros bares e boates ganharam notoriedade do público”, revela o mestre em antropologia.
Nos anos 1990 e início dos anos 2000, Teresina contava com alguns espaços para o público LGBTQIAPN+, entre eles estava um evento conhecido como "Boca da Noite" que acontecia no Complexo Cultural do Teatro 4 de Setembro, localizado no centro da cidade. Com shows de bandas locais, o evento disponibilizava um espaço de entretenimento onde os artistas da música, dança e do teatro local se encontravam. "Diante dessa programação noturna de shows no Boca da Noite, rotineira e semanal, vez por outra lá estava alguma drag em exposição para o público", revela Avelar Amorim.
Também existia um bar gay chamado Pride, localizado na Rua 24 de Janeiro, no centro norte da cidade. Com uma duração de 10 anos, o bar funcionava com vigor e fervor no centro. Depois de um tempo, mais duas boates gays surgiram: a Blue Space, situada na Rua 24 de Janeiro, e a Boate Sucata, na Rua 7 de Setembro. Durante suas pesquisas, Avelar Amorim consegue revelar o motivo para poucos estabelecimentos LGBT na cidade:
"Naquela época, a demanda de público era suficiente apenas para a manutenção de uma boate, pois se outra surgisse, justificaria a falência das duas. Teresina não tinha um público gay assíduo suficiente para manter duas casas noturnas no centro da cidade", revela.
Naomi e Troian na Lights
Como dito anteriormente, o ano de 2015 começa a trazer mudanças no cenário, com a criação de novas casas e competições. De acordo com Oswaldo Júnior, proprietário de uma das casas mais conhecidas da cidade pelo público LGBT, o reality norte-americano RuPaul's Drag Race trouxe uma mega evolução na cena do mundo inteiro: "Foi nessa época que começamos a perceber uma borbulhada de novas drags, as bixas estavam se montando em casa, querendo que acontecesse alguma coisa com a cena drag na cidade", conta Oswaldo.
Júnior proprietário da Lights e grande fomentador da cena
Trecho de um Ep de RuPaul’s Drag Race
Então surgiu a Sintética, uma festa para as drags, e logo em seguida, Oswaldo Junior e outros artistas, drags e promoters de eventos começaram a trabalhar no Reserva Pub, que hoje não existe mais, mas foi um aliado importantíssimo para a fomentação da cena na capital. Eles criaram uma competição inspirada no RuPaul's, o Ruserva, que desde a primeira temporada foi um sucesso.
Vídeo Sintética
Conforme ele crescia, a cena se intensificava na capital. Para Troian, um dos elos fortes na existência da cena em Teresina foi esse evento: "Lá eles fazem drag nascer. Quando o Ruserva acontece, todo mundo para pra olhar e ver o que está acontecendo. Ele trouxe de volta à cena drag em Teresina, até as gatas que se montavam antigamente e não tinham espaços pra ocupar começaram a ocupar esses novos espaços também", frisa.
Drag Nina Omilana se apresentando no Ruserva
Então, em novembro de 2021, Oswaldo Júnior inaugura Lights Music Bar: "Desde o começo, a ideia sempre foi botar as drags à frente. Aqui é comandado por elas, as drags são a prioridade", conclui Oswaldo.
O Ruserva não deixou de existir, apenas mudou de casa. Agora, ele acontece na Lights e é considerado uma das maiores competições e o maior evento drag do estado do Piauí.
“A Lights é a nossa casa. Aqui foca muito no trabalho drag e abre um leque gigantesco pra gente expandir nosso trabalho,” revela Troian.
Vídeo Tour Lights Music Bar
DRAG É ARTE
Ser e estar drag não é apenas se montar e incorporar um personagem; é também uma expressão artística. Muitas drags em Teresina trabalham se apresentando nos poucos espaços que apoiam o movimento. Consequentemente, a falta desses espaços para apresentações torna a visibilidade dessa arte baixa e pouco reconhecida na cidade, dificultando a vida das drags que buscam trabalhar e viver de seu personagem, seja performando, tocando, cantando ou até mesmo atuando. Além da falta de espaços, elas enfrentam outros desafios:
Troian em trend do Instagram
"O cenário drag é cheio de altos e baixos. Tem meses em que ganhamos super bem e meses em que ganhamos super mal. Mesmo nos dedicando para agradar ao público, não conseguimos agradar a todos", revela Troian.
Foto: Instagram/@inspiritualtroian
Vídeo Troian em seu Instagram
Os acessórios e adereços para a montagem e manutenção da personagem também são desafios. Em Teresina, há locais para a compra desses itens, mas poucas conseguem ter acesso devido aos valores, muitas vezes exorbitantes, tanto para aquelas que vivem 100% dessa arte quanto para aquelas que usam a drag como renda extra.
“Drag já é caro por si só, e aqui não tem lugar bom e barato. Produtos bons existem, mas a questão do valor e acessibilidade é difícil mesmo", conta Troian. Por causa disso, muitas recorrem a um plano que tem um maior custo-benefício: as compras online.
Troian na Lights fazendo vídeo para o instagram
"Normalmente a gente compra pela internet porque é mais barato, demora um pouquinho pra chegar, mas é a metade do preço que custa aqui."
Naomi e Troian na Lights
Trecho da Conversa com Bruno, Intérprete de Naomi Mcqueen
Algumas também pegam roupas e acessórios emprestados com outras drags ou costuram seus próprios looks. O importante é não deixar de arrasar quando estiverem montadas.
Hugo Coelho, intérprete de Troian costurando a roupa para sua Drag
ESTIGMA E PRECONCEITO
Naomi Mcqueen
Mesmo com a cena se fortalecendo cada vez mais, as drag queens ainda enfrentam preconceitos e lidam com os estigmas relacionados à sua arte. Troian desabafa sobre a marginalização ainda muito presente no ser e estar drag na capital: "Querendo ou não, drag é muito marginalizado. Todos nós somos, mas por ser drag, por exemplo, as pessoas acabam levando muito para o lado da prostituição", revela.
Troian performando no palco da Lights
“Todo mundo pode fazer arte drag, não é só homem, só um 'viadinho'. Eu acho que as pessoas associam muito isso com o fato de você colocar uma peruca e se maquiar. O pessoal pensa que você vai usar isso para poder vender o corpo ou alguma outra coisa. Ser e estar drag vai muito além disso”, conta Naomi Mcqueen. Para ela, o palco é o local onde gosta de mostrar sua arte, seja dançando ou dublando.
Bruno fazendo trend para suas redes sociais #bastidores
Essa marginalização pode ser justificada pela falta de visibilidade e contato das pessoas com a arte. Para Troian, "a falta de informação, com certeza, leva a esse tipo de comportamento".
É HORA DE BRILHAR E
FLORESCER!
Naomi em vídeo de divulgação para sua festa NAOMIPARTY
Desde a primeira manifestação drag na cidade em 1990, a cena se mantém de pé com desafios e muitos caminhos para percorrer, as drags vão em busca de visibilidade e valorização: “A luta vem de muito tempo, e de muita gente”, revela Troian. São 31 anos construindo a comunidade na capital do Piaui, realizando sonhos e levando a arte das drags para o público teresinense, o que muitas almejam são novos espaços para ocupar e novos públicos para conhecer sua arte. Para muitas ser e está drag é renascer.
"A gente renasce no palco. São dias cansativos, muitas demandas, mas quando termino minha maquiagem e coloco meu cabelo, eu renasço", finaliza Troian.
Troian no palco
AINDA NÃO ACABOU!
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